sábado, 30 de maio de 2009

Bob

Minha mãe conta que eu tinha febre na época em que meu pai foi para Dourados e ficou por lá meses resolvendo as coisas e preparando tudo para nos mudarmos — acho que isso foi em 1980.

Quando eu era pequeno, eu adorava jogar futebol de botão e tinha uma mesa enorme. Teve uma época em que eu esperava ele chegar do trabalho e ficava cercando para observar algum sinal de que a gente ia jogar aquela noite (sabe aquele tipo de cachorro chato que fica do lado da mesa na hora do lanche olhando pra você, esperando que alguma coisa caia da sua mão ou que você se compadeça e jogue algo pra ele? pois é). Adorava jogar com ele mais do que com meus amigos, porque via ele jogando e aprendia a segurar melhor a palheta, a posicionar melhor os botões, a escolher melhor meus craques, enfim. E quando ele me deixava ganhar... era o máximo. Digo que ele me deixava ganhar porque descobri isso em 2000, quando comecei a jogar videogame com o Iago e me peguei fazendo a mesma coisa.

Antes das várias reformas da casa do BNH, na parte da frente havia uma varanda com cimento onde, em outra época, minha diversão era atuar como goleiro na frente de um dos muros enquanto ele fazia o papel do atacante. A gente invertia o papel às vezes. Acho que desenvolvi meu gosto pela posição de goleiro por conta disso e por assisti-lo jogando as peladas de futsal às quartas-feiras (no CEPER, no Colégio das Irmãs, no velho CAD, etc). Hoje não jogo mais no gol por questões profissionais. Minha empresária me alertou que se eu continuasse quebrando meus dedos no futebol ficaria com sérios problemas para trabalhar — foram 5 fraturas em 4 anos. Minha única tristeza em relação à nossa vida futebolística e não poder ter jogado com ele algumas peladas “à vera”. Meu pai ferrou o joelho em uma pelada quando eu tinha 14 ou 15 anos e depois disso não conseguiu mais jogar por conta do estrago.

Meu pai me carregava (às vezes quase que arrastado, confesso) para fazer as coisas com ele. Se tivesse que ir à feira, à quitanda, à banca de jornal, enfim... lá vinha ele: “Vâmu lá com o pai.” O barato de ir à feira é que a gente sempre comia rabanete e sobá — o sobá ele pagava.

Aprendi a dirigir com ele. Aos 13 anos ele me deixou levar a Marajó de casa ao laboratório de noite. Ele perguntou se eu sabia dirigir e eu disse que sim (na teoria, é claro, sempre que estava sozinho no carro eu brincava que estava dirigindo com o carro desligado, fazia todos os movimentos, trocava marcha, etc). Obviamente, quando peguei o carro fiz ele morrer duas vezes antes de conseguir fazê-lo andar. Um pouco mais velho eu passei gostar ainda mais de uma rotina que já tínhamos às segundas-feiras de noite. Ele ia à banca do Jaime no centro comprar o jornal, gibi e revistas. Nessa época eu passei a me interessar menos pela leitura e mais pela possibilidade que havia de ele me deixar dirigir de volta pra casa vez ou outra.

Já mais velho e desenvolto no volante, eu passei a ter aulas de controle de pedal e de manobra. A entrada da nossa garagem era uma subida bem íngreme e curta (que fazia inclusive o carro patinar na maioria das vezes. Ele ensinou a fazer o carro parar naquela subida sem botar o pé no freio, e depois a sair dessa posição sem deixar o carro andar pra trás. A outra aula envolvia a Scania de nosso vizinho. Ele ficava em pé a uma certa distância do caminhão e me fazia estacionar entre ele e o monstro. Confesso que a pressão era grande, ou matava meu pai atropelado ou batia num Transformers inanimado. Devo minha facilidade com os pedais e minha desenvoltura na busca por vagas a essas aulas.

Minha casa sempre teve muita música, principalmente fim de semana. O rádio, as fitas ou os discos estavam sempre tocando alguma coisa enquanto ele e minha mãe estavam fazendo outra (fazendo comida, ajeitando a casa, consertando alguma coisa, lavando o carro, dando banho no cachorro, etc). Algumas de minhas paixões musicais certamente têm origem nessas coisas que eu ouvia e que me encantaram de alguma forma — Eric Clapton, James Taylor e Elton John estão aí e não me deixam mentir.

Na época que eu inventei que queria fazer o intercâmbio, a confiança dele foi muito importante. Sempre me considerei cauteloso (as pessoas ao redor insistem em usar a palavra “cagão”, não entendo), talvez por isso, talvez eu não tivesse pensado em encarar um desafio como esse se eu não tivesse o incentivo e encorajamento por parte dele.

Minha relação com ele mudou muito depois que saí de casa e vim pro Rio. A distância nos dá uma perspectiva que não temos quando estamos dentro de um contexto qualquer. O crescimento e o amadurecimento com os anos de faculdade, de trabalho e de casamento me fizeram cultivar um respeito e uma admiração crescentes por ele. Lamento por não poder estar mais tão perto hoje para desfrutar da companhia dele e mostrar sua importância na formação do homem que me tornei e o que aprendi sobre honestidade, dedicação e caráter.

Nossa história obviamente não foi feita somente de bons momentos e nem ele é o cara mais perfeito do mundo, mas na minha balança o saldo dele é bastante positivo.

Hoje, dia 30, é aniversário dele.

Parabéns meu velho!
Amo você.

Bibo


Vídeo retirado em razão da determinação do Ecad de cobrar para reprodução de vídeos do Youtube.

3 comentários:

  1. muito bonito. mandasse pra ele? bjk

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  2. É Rodrigo, sem dúvida é enorme a influência do Pai na formação do caráter e personalidade. Somos felizardos de termos tido excelente exemplo na figura paterna.
    Parabéns pro seu pai. E parabéns também pela pessoa que vc se transformou, um pouco por "culpa" do seu pai, né?
    Abraços
    J.C.

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  3. Poxa Rodrigo, me emocionei com seu relato!
    Talvez por ter minhas duas menininhas agora e perceber cada vez mais que cada atitude e costume nosso serão alicerces para o futuro delas. Elas são bem novinhas, mas pensando bem, já temos alguns rituais, alguns costumes que começam a se enraizar desde que somos pequenos.
    Talvez por ter perdido minha mãe há 9 meses e ter analisado cada pedaço de nossa estória (e por ter tido a chance de ver tudo isso e demosntrado tudo isso muito antes dela partir e um pouquinho a cada dia) Me deu mais saudade dela!
    Mas talvez também por visto em seu relato um pouquinho da sua estória contada de forma tão bonita.
    Parabéns por essa relação. Fico feliz por vcs!
    Ah, se o mundo tivesse mais dessas relações entre pais e filhos! (com dificuldades sim, mas recheadas de carinho e respeito de ambas as partes)

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