segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Resposta a um novo velho conhecido

Dourados, 19 de outubro de 1992




Putz Rodrigo, achei que você nunca mais ia mandar notícias! Mas que bom!


Estava mesmo pensando em você nas últimas semanas. Fiquei curioso pra saber como é que você estava, se estava tudo bem.


Pelo visto sim, né!


Apesar de algumas notícias, fiquei feliz de você ter escrito.


Acho que entendi o que você escreveu sobre o pessoal aqui. Mas tá foda! Pô, e você ainda me manda ter paciência e compreensão e tal, tá de sacanagem né? Se bem que, se você está aí e falando isso, deve saber mais que eu. Vou tentar e depois você me diz se deu certo.


Você tá falando sério sobre mais duas irmãs? Vão ser 3 irmãs então? Mas vem cá, de onde vão sair essas duas? E que história é essa de “papai cinza”, não entendi porra nenhuma. Isso tá muito esquisito.


Cara, realmente escolher uma profissão está difícil. Eu adoro praticar esportes, mas não sei se vou ganhar dinheiro com educação física. E tentar alguma peneira em algum lugar também não vai dar, porque eu teria de parar de estudar e meus pais me matam. Pra ir pro treino já tá difícil, imagina se eu disser que quero ir tentar uma peneira. Confesso que desanimei quando você falou das aspirações desportistas. Mas vou tentar aproveitar os próximos anos como você falou, de repente mudo essa história.


Pô, quero ver se penso em alguma profissão que use o inglês. Você até que me animou com o lance do intercâmbio, estava pensando mesmo nisso. Acho que seria uma ótima oportunidade de aprender, conhecer uma cultura diferente, sair um pouco de casa. Só fico com o pé atrás porque sei que é uma grana e não sei se o pai teria como pagar. Na verdade nem sei se eles me deixariam ir. Mas vou pesquisar um pouco mais pra ver direitinho como e quanto é. Vai que dá.


Você não me disse o que cursou, só me falou que a faculdade não é isso tudo e depois falou “livro de medicina”. Não entendi. Aliás, não só não entendi, mas também fiquei preocupado. E por que você está rindo disso? Pô fala aí. Ih cacete, por acaso eu fiz Farmácia igual o pai? Porra, eu só me ferro em química, biologia. Aí, sacanagem você dar a notícia pela metade.


Agora, você tá falando sério que eu casei com a Tati? Hahaha, isso eu duvido. A gente se conheceu esse ano, já ficamos juntos, mas casar? Tô começando a duvidar das suas outras notícias também. Não que eu não adore ela e não pense nisso, ela é linda, inteligente, um “pouquinho” brava, mas é muita areia pro meu caminhão. Além do mais, você passou por aqui e sabe que ela é meio difícil. Qualquer coisa é motivo pra eu ganhar um pé na bunda. “Hoje tá sol, Rodrigo quero terminar.” “Hoje tá chovendo, Rodrigo quero terminar.” “Ai, o tempo tá esquisito, não sei se chove ou se faz sol... ah, Rodrigo, quero terminar.” Além disso, só temos 15 anos, sei lá o que vai acontecer no futuro. Só fiquei com a pulga atrás da orelha porque você deu muitos detalhes. Será?


Agora, essas notícias de jornal que você deu, do Collor, do Lula, do Flu, da seleção, da Legião, tá falando sério mesmo, ou é pra eu adivinhar o que é verdade e o que é mentira. Deve ser isso, vamos lá:


- Collor fora da presidência: Verdade. Isso eu tenho quase certeza, amanhã nós vamos sair daqui da escola com a cara pintada e vamos lá pra Marcelino protestar. Vi no jornal que o Brasil todo quer que o cara saia.


- Lula presidente: Mentira. Taí, não sei. Se tivesse que apostar diria que não, acho que quem manda mesmo não quer esse cara lá no topo.


- Flu na terceira divisão: Mentira. Hahaha, boa. Até parece que o clube dos 13 ia deixar.


- Campeões da Copa 94 e 02: Verdade. Disso eu nunca duvido.


- Show da Legião: Mentira. Claro que vou ver. Ainda mais se for pro Rio fazer faculdade, esses caras devem fazer show lá o tempo todo.


E aí, quantas eu acertei? Depois me conta.


Como você disse no fim da sua carta, tudo depende de escolhas. Espero poder escolher bem desde agora pra poder chegar aí com a mesma satisfação que você está me escreveu. Não se preocupe, já estou ciente da nossa “bússola”.


Preciso sair agora, vou pro Indaiá (o clube, lembra?).


Sempre que quiser, escreva.



Até mais,


Alva






 



domingo, 4 de outubro de 2009

Espírito Olímpico

A escolha do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016 despertou dentro de mim uma ambiguidade de sentimentos, gerada pelo cidadão carioca e pelo desportista profissional frustrado.




Os dois haviam entrado juntos em uma loja na hora do almoço durante o anúncio do resultado. Desde de manhã, ambos discutiam sobre a necessidade de acompanhar as apresentações e a votação. Conforme a manhã foi passando o desportista tomou a iniciativa e, à revelia do cidadão, acompanhou as informações em tempo real pelos portais de notícia.


Àquela altura, minutos antes do anúncio, estavam os dois ali, diante de uma televisão que recebia a atenção de todos que estavam por perto. Nesse momento, o cidadão, que verificava os preços dos artigos que levaria para ir direto ao caixa e aproveitar o desvio de atenção de todos, foi puxado pelo desportista para perto da televisão.


Indiferente, o cidadão acompanhou a leitura do envelope que trazia as inscrições “Rio de Janeiro” e testemunhou uma emoção contida por parte do desportista, entregue apenas pelo sorriso no rosto e o leve arrepio nos pelos de seus braços. “Quanta bobagem”, ele pensou.


Já o desportista, após o anúncio, acompanhou o cidadão na finalização das compras sem proferir uma só palavra, sua cabeça estava em outro lugar. Se ele tivesse seguido a carreira profissional e tivesse experienciado algum sucesso a ponto de ter o privilégio de representar as cores do seu país na maior festa do esporte mundial, em 2016 ele estaria com 39 anos e certamente não participaria como atleta. Mas, ainda assim, ele descobriria alguma maneira de fazer parte dessa festa e contribuir de alguma forma. Ele ficou imaginando as cores nas ruas, nos carros, nas casas, nos prédios, o envolvimento das pessoas e toda a atmosfera que irá tomar conta da cidade. Ficou pensando que a chance dos nossos atletas será sempre maior, pois sabemos o que uma torcida inflamada é capaz de conseguir – um centímetro a mais, um segundo a mais, uma cesta a mais, um gol a mais, um bloqueio a mais, uma braçada mais forte, etc...


O cidadão, sem imaginar o que se passava pela cabeça do desportista naquele momento, tinha apenas uma convicção, por melhor que fosse essa olimpíada para alguns, ela seria muito melhor para quem sequer entra em uma pista, quadra, campo ou piscina. Não temos um histórico de organização e nem de sabermos aproveitar (coletiva e socialmente) os benefícios que uma situação como essa pode proporcionar. Se soubéssemos, o carnaval carioca já teria resolvido os problemas de muitas comunidades da cidade. Mas pergunte para onde vai o dinheiro de uma festa como essa que é confeccionada e realizada com o suor e dedicação de quase um ano de muitos moradores dessas comunidades. Pergunte se alguma das baianas que trabalham no carnaval há mais de vinte anos já deixou o barraco que ela morava em 1989 e comprou um apartamento de dois quartos que seja para acomodar sua família.


O legado para uma cidade que não sabe aproveitar positivamente uma oportunidade como as olimpíadas pode ser desastroso. A vontade política que se viu nos últimos meses certamente não será a mesma quando o leite da vaca olímpica secar. E esta ficará largada em um canto qualquer sem que o governo federal e nem o estadual façam qualquer esforço para lhe transferir para um pasto digno do leite que ela ora ofertou. Já vimos isso acontecer – o Autódromo Nelson Piquet, a Cidade da Música, o Parque Aquático Maria Lenk não me deixam mentir. Sem mencionar que a Lei de Gérson já começou a vigorar a partir do momento do anúncio. Será uma corrida de 7 anos para ver quem conseguirá levar mais “vantagem em tudo, certo”? Infelizmente sim.


Por essas e outras razões, o cidadão não conseguia partilhar do sentimento do desportista. E o desportista, por outro lado, não conseguia se desconectar daquela sensação.


Pelo que soube, os dois não trocaram uma só palavra desde então.

 
 
Perfeição - Legião Urbana
 
Vamos celebrar

A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos
Covardes, estupradores
E ladrões...

Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação...

Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião...

Vamos celebrar Eros e Tanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade...

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta
De hospitais...

Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E sequestros...

Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã...

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração...

Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão...

Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada...

Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção...

Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!...