sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Bullying, ferramenta ou falta de educação



Eu sempre fui muito magro. Muito muito magro. A ponto de ser chamado de filé de borboleta. Comecei a usar óculos com 6 anos de idade, daqueles marrons com perna feito arame que davam a volta na orelha. Tinha sotaque carioca e morava no meio do Mato Grosso do Sul. Usava Bamba ou sandália de couro para ir à escola. Enfim, elenquei apenas alguns pontos da minha realidade infantil. Triste, né?

Não.

Digo não porque entre os meus amigos, aqueles que não tinham alguma(s) dessa(s) característica(s) tinham outra: o dente da frente separado; um cabeção; era gordo; falava fininho; etc. Todos tinham alguma característica com a qual não lidavam muito bem e pela qual eram sacaneados.

Recentemente ouvi em um programa de televisão a jornalista dizendo: “Brincadeira é quando os dois se divertem. Quando apenas um se diverte é sacanagem.”

Fui sacaneado. Fomos sacaneados. Recebemos apelidos, em casa ou fora dela. E em geral apelidos não ressaltam uma característica positiva do apelidado. E geralmente essa característica, que já não é positiva, é também física, ou seja, visível a qualquer um. Horrível, né?

Não.

Digo não porque se essas sacanagens foram e são responsáveis por alguns de meus desconfortos, elas também serviram de mola para meu amadurecimento, compreensão de mundo e das pessoas, escolhas que fiz e uma série de decisões de curto, médio e longo prazos que tomei ao longo do caminho.

Quem conhece um gordo triste, certamente conhece um gordo feliz; quem conhece um quatro-olhos triste, também conhece um quatro-olhos feliz; e o mesmo acontece com outras implicâncias físicas ou sociais. 

Paro aqui para fazer um aparte e deixar claro que não estou escrevendo a favor do bullying, estou me posicionando contra uma avalanche terminológica que passou a ser criada pelos “estudiosos” e que serve apenas nomear traços psicossociais de uma pessoa ou grupo (não entro aqui no mérito de certo ou errado) de forma a tratá-los como doenças. E o engraçado é que essas “doenças” parecem ter uma necessidade de cura mais prioritária que o câncer e a Aids por exemplo. 

Fico com a impressão de que coisas novas estão sendo criadas em vez de exercitarmos outras que já existem. Não acho que o bullying seja o problema, acho sim que existe uma tremenda falta de educação em todos os sentidos. Façamos um teste, quem faz o bullying? Quem é essa criança ou jovem? Os pais sabem? O que dizem e fazem a esse respeito? A raiz é essa. Transferir para o Estado, a justiça ou os médicos mais essa responsabilidade só fará com que tenhamos cada vez menos responsabilidade sobre o que é da nossa conta.

O fato é que com ou sem sacanagens ou bullying, essas crianças e jovens terão que lidar com as mesmas “imperfeições” ou “inadequações” que outras gerações tinham e que as seguintes terão. A diferença é que ao que me parece, os doutores, os órgãos oficiais e a sociedade de maneira opressora estão tirando a possibilidade de uma geração desenvolver individualmente, cada um a seu tempo (muito embora alguns talvez não venham a conseguir), suas próprias ferramentas para lidar com as sacanagens presentes e futuras, de maneira sadia, menos séria e com menos importância. Estamos, em todas as esferas e cada vez mais, privando pessoas em formação de desenvolverem suas próprias defesas, sua casca, seu raciocínio e reflexão. Poupá-las de tudo fará com que tenhamos em pouco tempo um bando de gente que – além de multitarefa, extremamente capacitado para o mercado, imediatista e de achar que os outros só estão no mundo para garantir a felicidade dele – estará em fila para se jogar da primeira ponte porque o(a) chefe, o(a) esposo(a) ou o(a) amigo(a) mostrou a língua e disse: “Seu bobo, chato, não brinco mais.”