Eu sempre fui muito magro. Muito muito magro. A ponto de ser
chamado de filé de borboleta. Comecei a usar óculos com 6 anos de idade,
daqueles marrons com perna feito arame que davam a volta na orelha. Tinha
sotaque carioca e morava no meio do Mato Grosso do Sul. Usava Bamba ou sandália
de couro para ir à escola. Enfim, elenquei apenas alguns pontos da minha
realidade infantil. Triste, né?
Não.
Digo não porque entre os meus amigos, aqueles que não tinham
alguma(s) dessa(s) característica(s) tinham outra: o dente da frente separado;
um cabeção; era gordo; falava fininho; etc. Todos tinham alguma característica
com a qual não lidavam muito bem e pela qual eram sacaneados.
Recentemente ouvi em um programa de televisão a jornalista
dizendo: “Brincadeira é quando os dois se divertem. Quando apenas um se diverte
é sacanagem.”
Fui sacaneado. Fomos sacaneados. Recebemos apelidos, em casa
ou fora dela. E em geral apelidos não ressaltam uma característica positiva do
apelidado. E geralmente essa característica, que já não é positiva, é também
física, ou seja, visível a qualquer um. Horrível, né?
Não.
Digo não porque se essas sacanagens foram e são responsáveis
por alguns de meus desconfortos, elas também serviram de mola para meu
amadurecimento, compreensão de mundo e das pessoas, escolhas que fiz e uma
série de decisões de curto, médio e longo prazos que tomei ao longo do caminho.
Quem conhece um gordo triste, certamente conhece um gordo
feliz; quem conhece um quatro-olhos triste, também conhece um quatro-olhos
feliz; e o mesmo acontece com outras implicâncias físicas ou sociais.
Paro aqui para fazer um aparte e deixar claro que não estou
escrevendo a favor do bullying, estou
me posicionando contra uma avalanche terminológica que passou a ser criada
pelos “estudiosos” e que serve apenas nomear traços psicossociais de uma pessoa
ou grupo (não entro aqui no mérito de certo ou errado) de forma a tratá-los como
doenças. E o engraçado é que essas “doenças” parecem ter uma necessidade de
cura mais prioritária que o câncer e a Aids por exemplo.
Fico com a impressão de que coisas novas estão sendo criadas
em vez de exercitarmos outras que já existem. Não acho que o bullying seja o problema, acho sim que
existe uma tremenda falta de educação em todos os sentidos. Façamos um teste,
quem faz o bullying? Quem é essa
criança ou jovem? Os pais sabem? O que dizem e fazem a esse respeito? A raiz é
essa. Transferir para o Estado, a justiça ou os médicos mais essa responsabilidade
só fará com que tenhamos cada vez menos responsabilidade sobre o que é da nossa
conta.